Era uma vez, nuns tempos distante, um jovem muito parecidinho comigo, o típico adolescente que passava horas a jogar bilhar num tal de Aero Clube ou mergulhado nas águas azuis do seu mar, navegando nos sonhos e inspirações e nas horas ocupadas ia ao Liceu.. Mas tinha uma paixão secreta: a poesia. E, para o desespero da mãe, essa paixão manifestava-se nos momentos mais incalculados e inesperados.
Um dia, enquanto tentava escrever um poema épico sobre a melancolia de um sanduíche de atum ou de qualquer outra conserva, viu-se em apuros. Ele estava atrasado para a escola e a sua mãe, estava prestes a explodir.
"Vais faltar à escola outra vez?!", gritou, com a paciência esgotada como um último verso antes do chapadão.
Num relâmpago de inspiração poética, respondeu:
"Ó, mãe, não sejas assim,
Pois a musa me abraça,
Em versos de atum,
Estou quase no fim
Deixo a carcaça
em troco de verso algum.
Mande-me lá um."
Mãe, acostumada com os devaneios poéticos deste seu filho, apenas suspirou. "Se não apareceres aqui agora, vou-me embora e ponho-te porta fora!"
Com esta ameaça velada, desceu correndo, ainda murmurando versos sobre a efemeridade do pão com manteiga que já nem tinha atum e muito menos sardinha.
No Liceu, a situação não era muito diferente, tinha o hábito de recitar os seus poemas em voz alta, sem se importar com o lugar ou a ocasião. Durante a aula de matemática, enquanto o professor explicava a fórmula do X ao quadrado levantou a mão.
"Dr. Coutinho, posso recitar um poema sobre a beleza dos números primos?", perguntou, com os olhos brilhando e cara de felicidade.
O professor, que já conhecia a "veia artística", respondeu com um sorriso cansado: "por favor, deixe os números primos em paz por um momento e tente entender o valor de 'x' nesta equação."
Mas não desistiu. No recreio, aproximou-se dum grupo de colegas que conversavam perto da cantina.
"Ó, bravos guerreiros da escola,
Que correm pelo areal,
Com a fúria de um leão,
E a graça dum pavão,
Deixem-me lhes recitar,
Um poema sobre a glória,
De um golo em câmera lenta, nesta bebida sedenta que escrevi na minha velha sebenta!"
Os colegas, acostumados com as suas performances, apenas riram e continuaram a conversa. Apenas um deles, talvez o Beto ou o Manel, a memória já não ajuda, atirou: "devias escrever um poema sobre como chutar a bola no recreio da escola e quem sabe, aprender que a vida não é só escrever?
Ele muito parecinho comigo, era terrível no futebol, sendo a bola redonda e devido ao ar dentro, lhe fugia como diabo da cruz, apenas sorriu e murmurou: "A poesia é a bola da alma, e o meu chuto é a metáfora da calma!"
Apesar das brincadeiras e da incompreensão alheia, não se abalava. Ele continuava a escrever seus poemas, sobre tudo e sobre nada, sobre o amor e a dor, sobre a vida e a morte, e até sobre a importância de usar meias limpas.
Um dia, a escola organizou um concurso de talentos. Ele, é claro, se inscreveu para recitar os seus poemas. Todos tentaram dissuadi-lo. Colegas de sala, de recreio e até a afamília.
"Tens a certeza que queres fazer isso? Talvez seja melhor outra coisa qualquer, fazer uma magia ou ficar simplesmente a assistir", foi o que mais ele ouviu.
"A poesia é a magia da alma, o instrumento do coração! Eu preciso mostrar ao mundo a beleza das palavras!", respondeu, com a convicção de um poeta em ascensão.
No dia do concurso, subiu ao palco, um pouco nervoso, mas com a cabeça erguida e um ar profissional. A plateia, composta por alunos, pais e professores, estava em silêncio. Ele respirou fundo e começou a recitar um de seus poemas mais recentes, sobre a importância de ser ele mesmo.
"No meio da multidão,
Em busca de aprovação,
Não te percas, ó alma,
Em caminhos alheios,
Pois a verdadeira beleza,
Está em ter a certeza,
De que cada verso, é uma flor
Uma rosa ou outro símbolo de amor!"
A princípio, houve um silêncio constrangedor. Mas, aos poucos, as pessoas começaram a rir. Não era um riso de escárnio, mas um riso de admiração e carinho. Foram-se deixado levar pela paixão e pela sinceridade do poeta e declamador.
Ao final do poema, a plateia explodiu em aplausos. surpreendido e emocionado, não conseguiu conter as lágrimas. Ele não tinha ganho o concurso, mas tinha conquistado algo muito mais valioso: o respeito e o carinho de seus colegas e professores.
A partir daquele dia, continuou a ser o poeta da escola, mas agora, com um toque de reconhecimento. Os seus colegas até começaram a pedir para ele escrever poemas sobre seus próprios dramas adolescentes, desde a paixão não correspondida até à dificuldade de tirar notas boas em química.
E, o adolescente armado em poeta, muito parecido comigo, continuou a espalhar a beleza das palavras por onde quer que fosse, mostrando a todos que a poesia pode estar em tudo, até mesmo em um sanduíche de atum.