4 de dezembro de 2025

eu e o mar

Era ainda cedo quando cheguei à praia. A areia ainda estava fria e o vento da manhã trazia consigo o cheiro fresco de mar. Fiquei ali parado, quieto, como se tivesse medo de assustar o mar, de lhe acordar num acordar sobressaltado, daquelas calemas que vão até na falésia da fortaleza e suja a estrada de terra, pedras e mar..

O horizonte era uma linha azul infinita que parece é recta mas é curva tal e qual a terra o é. Olhos arregalados, porque sempre me disseram que o mar era grande, mas ninguém dissera que era também vivo. As ondas vinham e iam como se respirassem, e cada uma parecia querer contar-me um segredo.

Sentei-me na areia e fiquei a ouvi-las. A primeira onda contou-me sobre peixes que brilhavam como estrelas debaixo d’água. A segunda falou de barcos que cruzavam mundos. A terceira… a terceira só suspirou, como quem carrega uma saudade antiga.

- O que foi? — perguntei-lhe.

A onda não respondeu, recuou muda após tocar-me os pés suavemente. Levantei-me e entrei alguns passos no mar. A água estava fria, mas não assustadora.

- Eu não entendo — disse baixinho. — Mas prometo voltar para ouvir mais.

E foi aí que o mar, pela primeira vez, sorriu-me, com uma onda pequena e morna que me chegou aos joelhos. Era como um abraço, pensei.

Naquele dia, descobri que o mar não se vê apenas com os olhos. Vê-se com a alma, e ouve-se com o coração. E por isso, desde então, sempre que a vida me parece grande demais, eu volto à praia, sento-me na areia fria e deixo o mar contar-me mais um pedaço da sua estória infinita.



Sanzalando

3 de dezembro de 2025

Livro - Afonso Cruz - Programa K'arranca às Quartas 96


Sanzalando

Crónica de João Portelinha da Silva (2) - Programa K'arranca às Quartas 92


Sanzalando

Esta Música tem uma História 38 - Os Quatro e Meia - Na escola - Programa K'arranca às Quartas 96


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Tesourinhos Musicais 71 - OS Diamantes - Programa K'arranca às Quartas 96


Sanzalando

Crónica 84 - Programa K'arranca às Quartas 96


Sanzalando

Programa 96 - K'arranca às Quartas


Programa de Rádio com palavras, livros e música  - 26 de Novembro - tal e qual como se fez em directo para ouvir indirectamente aqui ou em qualquer outro lugar, aos cortes ou de seguida. A opção é sua.

Ouça com atenção e pense, porque este programa faz-se pensando e como tal deve ser ouvido, com o pensamento.
Hoje fizemos um programa especial, apesar de todos os K'arranca às Quartas o serem. 
Ler só faz mal à ignorância e ouvir o K'arranca as Quartas sempre se aprende qualquer coisinha porque é um programa para ouvir com o pensamento



Hoje tivemos a Crónica ou Coluna ou seja lá o que fôr sobre A literatura lusófona e este Programa 
Falei do Afonso Cruz  Esta Música tem uma história trouxe os Quatro e Meia e Na escola, numa colaboração de José Leite; 
não faltaram os Tesourinhos Musicais hoje com Os Censurados
POEMA de Joaquim Pessoa - Morrer de amor é assim 
e João Portelinha da Silva, cronista no K'arranca às Quartas que falou de Agostinho Neto e António Jacinto
e e a música da lusofonia imprescindível nas tardes de Quarta-feira.
Falei do quando em vez de como e do que
O K'arranca às Quartas é um programa para ouvir com ouvidos de pensar e o tema, sempre o tema de ouvir para pensar



Tudo imperdível
Mesmo assim vale a pena ouvir

Não perca e ouça a boa música que tenho para lhe dar

Sanzalando

uma esplanada na minha cidade

Na minha pacata cidade, aninhada entre o deserto e o mar, havia uma esplanada que parecia uma janela do tempo. Não era um lugar qualquer; era um ponto de encontro onde as gerações se entrelaçavam, um testemunho vivo de que o tempo, embora implacável, também podia ser generoso.

Depois do almoço o lado esquerdo da esplanada pertencia aos "Velhos Sábios". João Trindade Junior, Figueiras das Ameijoas, João Aldrabão, Artur Gomes, e mais uns quantos. Sentados em cadeiras de chapa, gastas mas confortáveis, os senhores todos com cabelos grisalhos e alguma brilhantina, olhares serenos falavam do dia. O cheiro do café e as páginas dos jornais amarrotados contrabalançavam a conversa ao tom de desafio. Ali, o João Aldrabão, um pescador que não sei se lá foi alguma vez, até parecia o Raul Gomes, pai do Artur, a falar de peixes que eram tão grandes que acho não cabiam no barco onde iam e mais com histórias de mar para dar e vender, jogava xadrez verbal com o João Trindade, benfiquista de gema, despachante de alfândega e ar muito sério porém sorriso que mostrava o desafio. Nestes tempos sem pressa, o melhor remédio é uma boa prosa e um café forte, costumava dizer o Sr.Reis, enquanto observava o movimento da rua com um sorriso enigmático e via o seu café cheio.

O lado direito eram jovens. Uns já considerados adultos outros ainda adolescentes. Era um ponto de aprendizagem, com o lado contrário e também de má linguagem, num corte e custura que nem velhas alcoviteiras. Todos eram passados a pente fino. À tarde, a esplanada começava a ganhar uma nova energia. Aos poucos, os jovens da cidade começavam a aparecer, paulatinamente ocupando o lado esquerdo porque eles eram homens de trabalho. A maior parte estudantes, uns ainda com livros outros já sem eles, gastavam o tempo até terem tempo de ir para o Áero-Clube jogar bilhar, na maior parte das vezes ao perde- paga. 

A Esplanada da Oásis deixou de ser apenas uma esplanada do café, tornou-se um símbolo de união, um lugar onde o passado e o futuro se encontravam no presente. Era um lembrete de que, apesar das diferenças de idade e de experiência, todos partilhavam a mesma humanidade, a mesma necessidade de conexão e a mesma sede de histórias para contar e ouvir. E assim, na pacata cidade, a esplanada continuou a ser um refúgio, um porto seguro onde as gerações se encontravam, aprendiam e celebravam a beleza da vida em todas as suas fases.



Sanzalando

2 de dezembro de 2025

o meu papagaio de papel

Numa ensolarada tarde de verão, na minha cidade de ventos do deserto onde a minha avó dizia que o que estragava tudo era o vento leste, vivia eu que além de adorar chuinga também gostava de papagaios de papel. Sempre sonhei em ter o maior e mais bonito papagaio de papel, e que voasse tão alto que pudesse tocar as nuvens.

Um dia, enquanto saboreava um gelado comprado no Tico-Tico, de morango ou baunilha por serem tão diferentes eu agora não me lembro, tive uma ideia brilhante. "E se eu fizesse um papagaio de papel que parecesse um gelado gigante?" Usei a imaginação e desenhei na cabeça um papagaio de papel com listras vermelhas e brancas, uma ponta castanha como se fosse o cone e um delicioso aroma de morango e baunilha voando no ar.

Passei a semana a desenhar e a construir o meu papagaio de gelado. Usei papel colorido, varetas leves feitas de caniço e muita cola feita de farinha. A minha mãe, habilidosa, ajudou a cortar e construir a cauda, que ela fez parecer um a derreter, escorrendo em cores berrantes.

Finalmente, o dia do papagaio ficar pronto chegou. Levei o meu papagaio de gelado para o campo aberto, perto do campo do Benfica, lá para o lado dos estaleiros do Guerra, onde não havia postes nem antenas nem outros empecilhos. Ali era eu e o meu papagaio que era diferente de todos os outros que eu já tinha visto. Ele era grande, colorido e tinha a forma de um delicioso gelado. Não, já tinha feito joeiras coloridas mas agora eu queria um papagaio de papel como um dia vi num qualquer filme de matiné, possivelmente feito em Macau ou arredores. Eu agora tinha um papagaio de papel. Joeira era para os outros. 

Segurei o fio de sapateiro com firmeza e, com um empurrão do vento, o papagaio de gelado subiu no céu. Ele dançou e girou, as cores berrantes brilhavam ao sol. Náo tinha ninguém para olhar o meu papagaio de papel, original e lindo. O papagaio subiu cada vez mais alto, até parecer um pequeno gelado a voar em direção ao sol.

Enquanto o papagaio voava, senti uma onda de felicidade. Eu tinha criado algo único, algo que trazia alegria. Veio uma rajada mais forte, dei-lhe guita, ele subiu e rodopiou numa volta gigante e se desfez com estrondo quando bateu na areia dura do velho acampamento do Guerra. O meu papagaio de papel feito em forma de gelado tinha 'derretido' ao sol da minha alegria



Sanzalando

30 de novembro de 2025

Mulher bonita não perde oportunidades

Diz-se, por aí, que mulher bonita não perde oportunidades. Que o mundo se abre, generoso, quando ela passa, como se portas se movessem sozinhas, guiadas apenas pelo som dos saltos no chão, pelo caminhar como quem voa numa passarela. Mas a verdade, a verdadeira, raramente se mostra nessa superficialidade.

Porque, na maior parte das vezes, a mulher chamada “bonita” aprendeu cedo que o brilho do olhar atrai luz e também muitas sombras. Aprendeu a medir as palavras, a escolher batalhas, a perceber que a beleza que se lhe atribui é uma carta que joga a favor apenas quando não contradiz ninguém, quando não confronta, quando não exige.

Tantas descobrem ainda jovens que os elogios são créditos que o mundo cobra depois com juros: risos forçados em diálogos que não queria ter, convites que não podia recusar, expectativas que não tinha como cumprir.

Mas também descobrem outra coisa: que a beleza que se lhes atribuí pode ser uma ponte. Muitas decidem atravessar essa ponte com a própria bagagem, a ambição, o estudo, a coragem, as quedas que poucos veem. Não aceitam nada só porque se acham bonitas. 

Crescem a ouvir que mulher bonita não perde oportunidades. Hoje, passados os anos, muitas sorriem ao pensar nisso.

Não perde, não.
Ela cria.
Ela luta.
Ela exige.
Ela escolhe.

Porque a verdadeira oportunidade não está no olhar dos outros sobre ela — mas na maneira como ela se vê.

E, quando uma mulher percebe que a sua beleza é apenas uma das muitas forças que carrega… aí sim, o mundo inteiro se torna pequeno para o tamanho das suas possibilidades.


Sanzalando

29 de novembro de 2025

numa tarde de sol

Numa tarde ensolarada, o que não era coisa rara na minha cidade, um grupo de crianças animadas decidiu ir ao parque infantil. Não, desta vez não era para chatear o Sr. Sousa, era mesmo para brincar nos baloiços, no escorrega ou no cavalinho que quase parece a querer sair dos ferros que o prendiam. Lá estava a com seu vestido vermelho, o Tó e o seu irmão Marzé, e o, bem como a, e mais uns tantos outros que éramos dez. Todos cheios de energia, o que eu penso era próprio da idade.

Assim que chegaram, a correu diretinho para o escorrega. "Quem chega primeiro?", gritou ela, e escorregou com um uhuuu! O Marzé foi logo atrás, com um sorriso enorme no rosto. Era o mais novo mas talvez o mais destemido.

Depois de muitas descidas no escorrega, todos vimos a alto nos baloiços. "Olha como eu voo alto!", enquanto dava mais balanço num jogo de corpo e pernas. O e a juntaram-se a ela, e logo os três estavam a baloiçar tão alto que parecia que iam tocar nas nuvens ou simplesmente fazer 360 graus à volta do suporte. Esses mesmo pareciam artistas de circo. 

Depois de tanto baloiçar, os três decidiram sentar na área da areia que circundava os baloiços. Tal era o cansaço. Faziam montinhos ou buracos. Ganhavam tempo para respirar com calma. Tirando estes três, os outros sete calçaram os patins e foram para o ringue patinar. Era a minha praia, já que para artista de circo e seus trapézios metiam-me medo. 

Afinal de contas era apenas um dia de sol, numa cidade do sul e todos nós tínhamos idade para isso. Hoje, acho eu, nenhum dos que por ainda andam vão ao parque infantil e ao que sei também ainda não há o parque geriátrico

Sanzalando

28 de novembro de 2025

poema à sandes de atum

Era uma vez, nuns tempos distante, um jovem muito parecidinho comigo, o típico adolescente que passava horas a jogar bilhar num tal de Aero Clube ou mergulhado nas águas azuis do seu mar, navegando nos sonhos e inspirações e nas horas ocupadas ia ao Liceu.. Mas tinha uma paixão secreta: a poesia. E, para o desespero da mãe, essa paixão  manifestava-se nos momentos mais incalculados e inesperados.

Um dia, enquanto tentava escrever um poema épico sobre a melancolia de um sanduíche de atum ou de qualquer outra conserva, viu-se em apuros. Ele estava atrasado para a escola e a sua mãe, estava prestes a explodir.

"Vais faltar à escola outra vez?!", gritou, com a paciência esgotada como um último verso antes do chapadão.

Num relâmpago de inspiração poética, respondeu:

"Ó, mãe, não sejas assim, 

Pois a musa me abraça, 

Em versos de atum, 

Estou quase no fim

Deixo a carcaça

em troco de verso algum.

Mande-me lá um."

Mãe, acostumada com os devaneios poéticos deste seu filho, apenas suspirou. "Se não apareceres aqui agora, vou-me embora e ponho-te porta fora!"

Com esta ameaça velada, desceu correndo, ainda murmurando versos sobre a efemeridade do pão com manteiga que já nem tinha atum e muito menos sardinha.

No Liceu, a situação não era muito diferente, tinha o hábito de recitar os seus poemas em voz alta, sem se importar com o lugar ou a ocasião. Durante a aula de matemática, enquanto o professor explicava a fórmula do X ao quadrado levantou a mão.

"Dr. Coutinho, posso recitar um poema sobre a beleza dos números primos?", perguntou, com os olhos brilhando e cara de felicidade.

O professor, que já conhecia a "veia artística", respondeu com um sorriso cansado: "por favor, deixe os números primos em paz por um momento e tente entender o valor de 'x' nesta equação."

Mas não desistiu. No recreio, aproximou-se dum grupo de colegas que conversavam perto da cantina.

"Ó, bravos guerreiros da escola, Que correm pelo areal, Com a fúria de um leão, E a graça dum pavão, Deixem-me lhes recitar, Um poema sobre a glória, De um golo em câmera lenta, nesta bebida sedenta que escrevi na minha velha sebenta!"

Os colegas, acostumados com as suas performances, apenas riram e continuaram a conversa.  Apenas um deles, talvez o Beto ou o Manel, a memória já não ajuda, atirou: "devias escrever um poema sobre como chutar a bola no recreio da escola e quem sabe, aprender que a vida não é só escrever?

Ele muito parecinho comigo, era terrível no futebol, sendo a bola redonda e devido ao ar dentro, lhe fugia como diabo da cruz, apenas sorriu e murmurou: "A poesia é a bola da alma, e o meu chuto é a metáfora da calma!"

Apesar das brincadeiras e da incompreensão alheia, não se abalava. Ele continuava a escrever seus poemas, sobre tudo e sobre nada, sobre o amor e a dor, sobre a vida e a morte, e até sobre a importância de usar meias limpas.

Um dia, a escola organizou um concurso de talentos. Ele, é claro, se inscreveu para recitar os seus poemas. Todos tentaram dissuadi-lo. Colegas de sala, de recreio e até a afamília.

"Tens a certeza que queres fazer isso? Talvez seja melhor outra coisa qualquer, fazer uma magia ou ficar simplesmente a assistir", foi o que mais ele ouviu.

"A poesia é a magia da alma, o instrumento do coração! Eu preciso mostrar ao mundo a beleza das palavras!", respondeu, com a convicção de um poeta em ascensão.

No dia do concurso, subiu ao palco, um pouco nervoso, mas com a cabeça erguida e um ar profissional. A plateia, composta por alunos, pais e professores, estava em silêncio. Ele respirou fundo e começou a recitar um de seus poemas mais recentes, sobre a importância de ser ele mesmo.

"No meio da multidão, 

Em busca de aprovação, 

Não te percas, ó alma, 

Em caminhos alheios, 

Pois a verdadeira beleza, 

Está em ter a certeza, 

De que cada verso, é uma flor

Uma rosa ou outro símbolo de amor!"

A princípio, houve um silêncio constrangedor. Mas, aos poucos, as pessoas começaram a rir. Não era um riso de escárnio, mas um riso de admiração e carinho. Foram-se deixado levar pela paixão e pela sinceridade do poeta e declamador.

Ao final do poema, a plateia explodiu em aplausos. surpreendido e emocionado, não conseguiu conter as lágrimas. Ele não tinha ganho o concurso, mas tinha conquistado algo muito mais valioso: o respeito e o carinho de seus colegas e professores.

A partir daquele dia, continuou a ser o poeta da escola, mas agora, com um toque de reconhecimento. Os seus colegas até começaram a pedir para ele escrever poemas sobre seus próprios dramas adolescentes, desde a paixão não correspondida até à dificuldade de tirar notas boas em química.

E, o adolescente armado em poeta, muito parecido comigo, continuou a espalhar a beleza das palavras por onde quer que fosse, mostrando a todos que a poesia pode estar em tudo, até mesmo em um sanduíche de atum.



Sanzalando

27 de novembro de 2025

O Grande banho da Marginal


Era um daqueles dias quentes em Moçâmedes, em que até as lagartixas, osgas e carochas procuram uma sombra. Eu, todo animado, decidi que nada melhor do que um mergulho na Marginal para refrescar a cabeça. Calcei as minhas chinelas, que mais tarde soube chamarem-se as havaianas mas naqueles tempos eram simplesmente chinelos de plástico, já meio gastas para não queimar os pés no asfalto quente que até parece derrete.

Quando cheguei, o mar brilhava bonito, mas as ondas estavam com uma energia que parecia ter bebido café forte! Cheio de coragem, pensei:
- Hoje eu mostro quem manda aqui! Tirei a camisa, larguei os chinelos, corri, preparei um salto tipo mergulho olímpico e... parei.  A onda parecia esperar mas zás, rebentou nas pedras e caiu como chuveiro sobre mim. Olhei o mar e pensei ele me tinha vencido. Eu não mando nada aqui..

- Só queria cumprimentar o mar - disse, tentando manter a dignidade enquanto um grupo de miúdos ria ali perto.

Não satisfeito, tentei de novo. Entrei devagarinho, calculando a maré, não escorregando nas pedras e afundei o meu corpo para fora da zona pedregosa. Respirei fundo mas assim num de repente fui atirado por outra onda desprogramada contra as pedras, hexágonos e assim ligeiramente esfolado olhei surpreendido com o boiar das minha chinelas que mais tarde eu ia saber eram havaianas irem mar fora. Elas se aguentaram no mar e eu atirado para as pedras. Elas não queriam ia à agua. Mundo contrariado.

Enquanto os miúdos, que se tinham aproximado, gritavam:
— Tio! As tuas sandálias são mais rápidas que a tua natação!

Ri com vontade de chorar e com a camisa, que sobrara porém enxarcada, caminhei para casa num andar tipo saltinhos para demorar menos tempo cada pé no chão.

Mas a verdade é que, apesar das quedas, das ondas teimosas e das sandálias fujonas… sai dali com um sorriso, andar novo e com a lição que mergulhar na marginal não era boa ideia, antes na praia que era ali tão perto. Porque banho na Marginal de Moçâmedes é assim mesmo: se não cair, não valeu!



Sanzalando

26 de novembro de 2025

Livro - A Crónica dos Bons Malandros - Mário Zambujal - K'arranca às Quartas 95


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A Crónica de João Portelinha da Silva (01) - K'arranca às Quartas 95


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Tesourinhos Musicais 70 - OS CENSURADOS - K'arranca às Quartas 95


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Esta Música tem uma História 37 - Miguel Araujo - A Incrivel História de Gabriela de Jesus - K'arranca às Quartas 95


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crónica 83 - Programa K'arranca às Quartas 95


Sanzalando

Programa 95 - K'arranca às Quartas


Programa de Rádio com palavras, livros e música  - 26 de Novembro - tal e qual como se fez em directo para ouvir indirectamente aqui ou em qualquer outro lugar, aos cortes ou de seguida. A opção é sua.

Ouça com atenção e pense, porque este programa faz-se pensando e como tal deve ser ouvido, com o pensamento.
Hoje fizemos um programa especial, apesar de todos os K'arranca às Quartas o serem. 
Ler só faz mal à ignorância e ouvir o K'arranca as Quartas sempre se aprende qualquer coisinha porque é um programa para ouvir com o pensamento



Hoje tivemos a Crónica ou Coluna ou seja lá o que fôr sobre "A Magia Invisível da Rádio
Falei do Livro "A Crónica dos Bons Malandros", de Mário Zambujal;  Esta Música tem uma história trouxe Miguel Araújo e "A Incrível História de Gabriela de Jesus, numa colaboração de José Leite; 
não faltaram os Tesourinhos Musicais hoje com Os Censurados
POEMA - Da Mais Alta Janela da Minha Casa - Alberto Caeiro na Voz de Mário Viegas  
e hoje foi a estreia de João Portelinha da Silva como crónista no K'arranca às Quartas
e e a música da lusofonia imprescindível nas tardes de Quarta-feira.
Falei da capacidade do Homem vencer a Máquina porque esta não tem consciência, apesar de ter saber
O K'arranca às Quartas é um programa para ouvir com ouvidos de pensar e o tema, sempre o tema de ouvir para pensar



Tudo imperdível
Mesmo assim vale a pena ouvir

Não perca e ouça a boa música que tenho para lhe dar

Sanzalando

Uma Estória de Fazer Rádio


Desde pequeno, eu gostava de falar sozinho. Conversava com o travesseiro, entrevistava o cão e fazia o relato do café da manhã. A família achava engraçado, mas só eu sabia o que aquilo significava. Um dia, sentei-me na sala e tinha nas mãos um radiozinho velho, daqueles que ainda tinham antena de metal que desaparecia dentro do rádio e um botão que fazia estática quando girava para sintonizar. Eu procurava nas três ondas a rádio que eu fazia e não encontrava. Não tinha a mínima noção que era preciso um emissor. Para onde ia o som da minha voz quando eu falava ao meu microfone que mais não era que o cartão velho de um rolo de papel higiénico?

- O rádio é magia - dizia-me. - A gente fala baixinho num canto… e chega no ouvido de alguém lá do outro lado da cidade. Pensava eu

Nunca esqueci. Cresci com essa ideia na cabeça: fazer rádio era conversar com o mundo e por isso logo que tive oportunidade lá fui pedir uma. E deram.

Consegui um estágio no RCM. Era pequeno, edifício inacabado, gente simpática. Mas, para mim, era como entrar num castelo, num palácio e aqueles eram os artistas que eu conhecia de voz. Três estúdios, sendo um minúsculo, outro médio e o grande; sala técnica comum aos três mas com seus gravadores de fita e consola independentes. O locutor punha discos e falava aos microfones, com fones enormes nos ouvido  e uma janela de vidro que separava o locutor da área técnica, quase como portal para outra dimensão.

No primeiro dia ao vivo, a voz tremeu. O microfone parecia um monstro à espera para devorar-me. Mas respirei fundo, lembrando-me das conversas com o cão e o travesseiro.

- Boa tarde, ouvintes! Eu , disse o meu nome e este é o Programa a Nossa Voz é o Mar e passou um bailinho da Madeira. Depois Tristão da Silva, Roberto Carlos e de quando em vez eu dizia uma frase para os pescadores que estavam no mar, em casa ou só a arranjar as redes.

A meio perguntei

- Alô… alguém está-me a ouvir?

Até hoje ainda não tive resposta




Sanzalando

25 de novembro de 2025

a paixão da voz fria de cacimbo

Na minha pequena cidade, onde não me lembro se as folhas caíam em tons de laranja quando chegava o cacimbo, eu vivia e convivia. Tinha para aí uns dezassete anos, cabelos castanhos sempre um pouco bagunçados a dar para o comprido e um sorriso simpático que raramente guardava. Era um sonhador, com a cabeça cheia de melodias e letras de músicas que raramente mostrava a alguém.

Meu mundo, porém, girava em torno de uma pessoa cujo o nome nem hoje consigo soletrar. Ela era como o sol de cacimbo, vibrante e cheia de vida. Os seus longos cabelos castanhos dançavam com o vento, e seu riso, quem mais não era que sorriso, me soava a melodia doce quando me era dirigido. Estávamos na mesma turma, a observava de longe, assim faz de conta era um admirador silencioso.

Eu sabia tudo sobre ela, seu amor por livros, a maneira como ela mordia o lábio quando estava concentrada, e seu sonho de viajar pelo mundo depois de se formar. Eu guardava esses detalhes no meu coração como tesouros, e a cada nova descoberta, o tal do amor crescia.

Tentei me aproximar, é claro. Nos estudos e nos trabalhos em grupo, eu garantia que estivessem no mesmo. Ela era sempre simpática, conversava com sobre as matérias e sorria de minhas piadas, às vezes sem graça, fazendo-me engraçadinho. Mas nunca passou de ser mais do que uma amizade cordial e simpática.

Uma tarde, enquanto caminhavam para casa depois da escola, sob o céu, que não sei se estava já alaranjado do pôr do sol, reuni toda a minha coragem. Lhe balbuciei o nome, senti o meu coração martelar no peito que nem piston de comboio de minério, e lhe disse que tinha escrito uma canção para ela. Tirei um papel amarrotado do bolso e tremendo comecei

Morena morena

Dos olhos galantes

Quem te deu morena

Esses diamantes

A música saída da minha boca devia parecer arrepio, tal a minha falta de jeito para ela.

Ela me olhou e disse

- Está giro.

Eu tinha mais versos para ler mas aquelas palavras, mais frias que o cacimbo, tiraram som às minhas e mudo, engoli em seco, e da minha boca saíram palavras que eu não sei como foram lá parar

- Obrigado. És a minha melhor amiga.

Ela me olhou, sorriu e disse:

-Ainda bem.

Caminhámos até a casa, sendo ela minha vizinha, sem trocar ou tropeçar qualquer palavra. Eu, sinceramente estava de rastos. À porta da minha casa despedimo-nos com um até amanhã que não tinha mais do que palavras porque era um até amanhã vazio.

Em casa o impulso foi rasgar o papel, porem, dei ao Beto no dia seguinte e uns dias depois ele gravou lá no Rádio e passámos num domingo de manhã. Nem ele sabia a estória e nem sei se ela ouviu rádio nessa manhã.

A minha versão de Júlio Dantas estava mais carregada de paixão que a dele e eu não tinha pena de mim. Mudei, cresci e os dezassete anos ficaram para sempre para trás. Nunca lhe cantei o poema, nunca mais ouvi-lhe a voz fria de cacimbo.




Sanzalando

24 de novembro de 2025

que cor tem a lembrança

Quando me apetece passear e está frio, agarro na memória e vou até aos lados da infância. Ali, quase ao virar da esquina, num tempo que não se mede em quilómetros nem em anos ou dias porque a esta distância a memória é ali num aqui tão próximo. 
hoje fui até 28 de Fevereiro de 2012 e nesse dia tinha ido talvez a muitas memórias atrás:

Olho o longe mar desde aqui na ponte velha. De verdade eu lhe conheci ela já era velha. Hoje ela continua velha. Se eu fosse mais velho eu ia dizer que ela nunca trabalhou porque eu nunca lhe conheci a trabalhar. Só serve mesmo é para dar mergulhos e apanhar mexilhão. Pelo menos é só assim que eu lhe conheço. Se calhar já vi aqui alguém de fio de pesca a apanhar mariquita e balhacu. Também nunca vi ninguém pescar outra coisa. Mas a verdade é que hoje estou na ponte velha que está mais velha mas ainda não tão velha que eu lhe chame de ruína arqueológica.
Mas eu vim aqui olhar o mar e chorar. Pudesse eu me deitava nestas tábuas carcomidamente velhas e chorava sem parar e sem pensar no mundo, nesse que tem lembranças que volta e meia vêem à cabeça faz de conta é martelo a te recordar de pessoas e gentes que não sabes mais o que é feito delas.
Olho à volta e se dum lado vejo areia, doutro pedras, em frente eu vejo mar azul sarapintado de barcos parados faz tempo querem descansar, mas não tenho onde me deitas sem me sujar dessas lembranças ausentes.
Aqui na ponte velha, mais velha que o meu tempo, recordo o Drs. Brandão, Balsa, Resende, e esposa do Dr. Coutinho, a Dra. Lucília Rocha, a Elsa. Nunca foram meus professores. Não sei se eram bons ou maus profs como se diz agora. Sei que nunca apanhei com eles nas aulas e não sei porquê hoje me fui lembrar deles, aqui na ponte velha onde não tenho onde me deitar.
Olho para mais longe, quero fugir deste choro calado que me veio à lembrança e vejo lá longe um barco grande que parece se vai embora. De que cor estão os meus olhos agora? pergunto-me sem se quer saber que os olhos brilhantes de lágrimas continuam a ter a mesma cor de olhos de outras horas.
Deitado na ponte velha, passo horas a pensar, está tudo sem cor porque eu vim aqui para ver o mar e chorar e afinal eu estou a me lembrar de gente que nem conheço ou alguma vez se apercebeu que eu existia. 
Não existe mais cor no lugar que eu olho de lembrança esquecida que me recordo desde aqui na ponte velha que eu conheço já velha.

Sanzalando


Sanzalando

23 de novembro de 2025

22 de novembro de 2025

Bom Dia Mercado 10



Programa de Rádio feito no Mercado Municipal de Portimão - 22 de Novembro de 2025
Uma alegria ter a rádio em directo. Mercado Cheio e já com Sabores de natal e nós cheios de coisas boas. 
Ouça-nos e visite-nos



Ouça em diferido o directo de hoje
Muito bom de ouvir. Sirva-se


 





Sanzalando

20 de novembro de 2025

As grandes aventuras no quintal que era a rua


Era uma vez meia dúzia amigos inseparáveis que moravam na mesma rua: a Luísa e o Pedro, a Lena e o Zé, o Eu, o João e o Álvaro. Todas as tardes, depois da escola, transformávamos a rua no nosso quintal e num enorme mundo de aventuras. Decidíamos brincar à apanhada e outras vezes fazíamos um twist e íamos brincar aos polícias e ladrões  assim do tipo dos velhos cowboys lá no Velho Oeste que a gente conhecia dos filmes!

Ninguém colocava um chapéu de palha nem se declarava xerife:

- Naquele quintal ninguém foge à lei! Era tiro e queda mais concretamente um Táu que se ouvia na cidade toda a julgar pelo berro.

Eu talvez fosse o que corria mais depressa, tendo mesmo chegado a dizer que em questões de luta eu era campeão dos 100 metros. 

Todos os dias éramos felizes e hoje já não sei brincar ao garrafão, nem à apanhada nem aquele jogo do lencinho. E a trouxa lavada? E o um dois três fica tudo quieto? Agora é mais o polegar que corre o teclado à procura de uma brincadeira para brincar com os olhos.

Aquela rua era um pedaço do paraíso ou nós éramos crianças?


Sanzalando